segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Cidade lixo

Por Laís Lopes, Jerônimo e Ruana





O ar pesado invadiu nossos pulmões, assim que cruzamos os portões que dão acesso ao lugar onde tudo é um risco para a saúde e para o meio ambiente.
Nos comovemos diante do cenário hostil onde sacos plásticos conflitam com o verde. Montanhas de barro e areia escondem resíduos de uma cidade milionária, que trata seu lixo de forma negligente, afetando diretamente o meio ambiente.

Ainda no portão do aterro sanitário enfrentamos a relutância dos funcionários encarregados do local em nos deixar presenciar o descaso das autoridades quanto ao tratamento do lugar. Contudo, conversamos com o encarregado geral do aterro que, sem hesitar nos permitiu a entrada no local.

Debaixo de muita chuva, tudo pareceu difícil para nós, mas para as pessoas que sobrevivem com o sustento que tiram daquele lugar, era apenas mais um dia de trabalho. Antes do primeiro contato com os catadores ficamos apreensivos sobre como seria a recepção deles e nos surpreendemos ao encontrar simpatia e acolhimento em pessoas que são diariamente maltratadas pela dureza da vida que levam.

Com a câmera nas mãos passeamos em meio ao lixo procurando o melhor foco do local, quando ouvimos vozes e risos que pediam para serem fotografadas. Nos aproximamos dessas pessoas com o intuito de realizar o desejo delas que ao perceberem nosso entusiasmo, recuaram e esconderam os rostos, com um gesto simplório, feito crianças.

Foi nessa tentativa que conseguimos iniciar uma conversa com os catadores. Dentre eles duas mulheres se destacaram, chamando nossa atenção, pelo carisma e pela vontade de nos ajudar.
Uma delas é Márcia, catadora de 37 anos que há mais de trinta anos tem o lixão como seu ambiente de trabalho e de relações sociais, já que suas duas filhas e seu marido catam lixo junto com ela todos os dias.

A outra é Lady, que tem 20 anos e não conheceu outra realidade que não fosse o lixão. Mãe de dois filhos e grávida do terceiro aparentava estar feliz com seu estado ao mostrar a barriga ainda pequena para nós.

Embora estando em meio a muito lixo, vários urubus, dutos que evacuam lixo decomposto e moscas que nos sobrevoavam constantemente, nos sensibilizamos ao descobrir que Márcia e Lady se encontravam ali desde a noite anterior e que não tinham previsão de voltarem para suas casas, mesmo assim, demonstravam muita disposição para conversar e contar suas experiências.
Ouvimos muitas histórias comoventes e chocantes, como a de um feto de aproximadamente sete meses, já formado, encontrado há pouco tempo por uma das catadoras. Mas, o que mais as revoltavam, era lembrar-se de colegas que estão hoje impossibilitadas de ganhar seu sustento por alguma razão provocada pelos deletérios do lugar, uma vez que os riscos oferecidos à saúde são inumeráveis e a assistência a essas pessoas é nula.

Durante o tempo que estivemos conversando com as duas mulheres, nos sentimos nauseados pelo cheiro que o lugar exalava. Era uma mistura do odor natural do lixo e do gás tóxico de decomposição liberados por gasodutos que vinham do fundo do aterro ejetando tais toxinas no ar. Esse composto químico liberado em forma de gás faz com que Lady e Márcia carreguem consigo fortes dores de cabeça ao fim de cada dia de trabalho. Não acostumados, sentimos tal dor em pouco tempo de permanência no local, imaginem conviver com isso todos os dias.



Extra-oficialmente nos foi revelado que o chorume de 450 mil toneladas de lixo que é despejado no aterro todos os dias, é jogado sem tratamento em uma pequena lagoa que fica a poucos metros do local. O chorume é a água liberada quando o lixo está sendo decomposto, ou seja, ela é altamente perigosa para a saúde e mesmo assim corre em uma vala que deságua na lagoa, sem o menor cuidado, contaminando os poucos peixes que ainda existem por lá.



Inacreditavelmente, a lagoa ainda é usada para a prática de pesca, havendo maiores riscos de contaminação humana através do consumo dos peixes.

Riscos a saúde são iminentes do momento em que se entra no aterro ao minuto da despedida. Além de sensibilizar muito mais o psicológico humano. O que é esquecido pelos cidadãos de dentro e de fora do lixão são os prejuízos e impactos irreversíveis causados continuamente ao meio ambiente, incluindo a degradação da vasta área onde funciona o aterro que por muitos anos vem suportando o lixo da cidade de Campos e de seus distritos. Evidentemente a recuperação da área levará anos, ou até mesmo séculos para acontecer e depende da conscientização daqueles que trabalham na função de tratar do ambiente da cidade.

Nos despedimos emocionados dos catadores e dos funcionários do local, fomos bem recebidos pelas pessoas que lá trabalham. Saímos do local com imagens que com certeza jamais sairão de nossas mentes, não somente pelo descaso ambiental, mas também pelo descaso humano.